Houve crime?

 

Grande parte dos juristas (e muita gente crédula) está convencido de que sim.

Qual foi o crime?

Ninguém sabe ao certo; mas todos os crédulos, e os notáveis, têm uma tese: as pedaladas configuram crime de responsabilidade, afirmam uns; não são só as pedaladas, asseveram outros (o que contraria a qualquer libelo mais qualificado, que tem de caracterizar pormenorizadamente a conduta criminosa, e o crime).

Aqui, me faz lembrar o bordão do MPL (ou seria MBL?): não é só pelos vinte centavos.

Então: “até podemos não saber definir qual(is) foi(ram) o(s) crime(s), mas que houve, houve. CONFIE EM MIM!”

“É, confie em mim, EU sou graduado, estudei (ao contrário daquele apedeuta…). Minha convicção advém do elevado poder de interpretação (que você não tem, provavelmente). Portanto, você não tem alternativa, terá de acreditar em mim.”

E continua o rosário de argumentos — quase todos ad hominem.

Houve crime? Qual foi o crime?

Eu penso que as perorações apresentadas são muito complexas (propositadamente?), e todos os juristas que se dedicam a explicar a tipificação infracional/penal apresentam uma retórica muito empolada. OK, como bacharel em direito não me caberia reclamar da retórica dos juristas, mas tão somente interpretá-la, buscar os fundamentos arrolados, e se possível desconstruí-los.

É verdade, e se eu ainda não o fiz não é possível disfarçar a preguiça.

Contudo, apesar de não mergulhar na hermenêutica jurídica para tentar desconstruir os argumentos, algumas perplexidades se evidenciam: “ah, o julgamento não é jurídico, é político”; “ora, o crime de responsabilidade não é crime stricto sensu”; são as pérolas mais recorrentes.

Ou seriam jabuticabas, e não simplesmente pérolas?

Não, não creio que sejam jabuticabas. Eu sei que o brasileiro (e principalmente o brasileiro de direita, reacionário), é capaz de torcer qualquer linha de argumentação, mas já pude perceber que isso não é exclusividade dos brasileiros; pelo menos argentinos e portugueses são tão capazes da ignomínia quanto os tupiniquim.

Mas enfim, diante dessas pérolas, a única reação possível é uma expressão bem sertaneja: danou-se!

Sim, porque:

1. Em um julgamento jurídico, devem ser observados pelo menos o direito pleno de defesa e o contraditório; em um julgamento essencialmente político isso é garantido?

Aquela pantomima da sessão da Câmara Federal, em um domingo (17 de abril) é prova de que não há qualquer garantia nos tais julgamentos políticos.

2. Alguém ou alguma instituição que pretenda condenar a um cidadão pela prática de um crime tem de demonstrar, inquestionavelmente, que o crime foi praticado. Em outras palavras, não cabe interpretação dos fatos que tipificariam a conduta criminosa; se não for textualmente demonstrado, não cabe a condenação.

Mas e o que dizer de um ilícito que não seja caracterizado como crime? Cabe a interpretação dos fatos e da conduta? Os tais juristas asseveram que sim.

Quer dizer: “para nós, juristas de bem, houve crime. E nós vamos descobrir qual foi, ou quais foram; é questão de tempo”.

Daí decorre o surreal: a subversão do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual todos deverão ser considerados inocentes até que uma sentença penal — transitada em julgado — declare o contrário.

Ora, para os destacados juristas, bem assim para os parlamentares, já há uma condenação, a execração, as injúrias, o linchamento enfim.

 

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