O ancião

Estava conversando com um colega, e falei da minha frustração porque não considerava estar fazendo a diferença no meu trabalho (eu comentava do meu desinteresse pelas carreiras na magistratura, e nos tribunais de contas, por não acreditar na efetividade de sua ‘função’).

Aí escutei: ‘você faz a diferença, sim. Sabe alguém como um ancião, a quem todos recorrem em busca de algum conhecimento? É assim’.

Aí eu me lembrei das aulas da faculdade de letras, do professor de inglês.

A história de uma lenda. Um conto onde o povo da região buscava o ‘messias’, que viria para dar sentido à sua existência, transformar sua realidade limitada. Esse ‘messias’ teria a silhueta muito parecida com a face de pedra (uma formação rochosa que lembra uma figura de cabeça humana).

Na história, Ernest, um nomem simples, acreditava na lenda, e buscava identificar a ‘face de pedra’ em cada empreendedor, político, religioso, ou que tais, que aparecia na região — e frequentemente se frustrava, por não conseguir identificar similaridade.

Até o dia em que apareceu um poeta, que teria declarado já de início que não era ‘a face’, e que um belo dia, sem mais nem menos, encontrou similitude entre aquela face incrustada na rocha e a silhueta do homem simples e crédulo.

Aí eu me perguntei (pergunta intimista, e temerosa): será mesmo que eu sou assim? será que, como o Ernest do conto estadunidense, eu sou ‘a referência’, no instante mesmo em que vivo a buscá-la?

E, sendo ou não, o que farei quando encontrar a tal referência? Vou conseguir reconhecê-la, ou esta passará despercebida por mim?

Será que a busca pelo referencial, pela resposta absoluta, um dia terá fim?

Me lembro da máxima popular (não tão popular assim) atribuída a Confúcio: uma jornada de mil milhas principia com o primeiro passo.

Aparentemente desanimador, a mensagem oculta nesse bordão me atingiu ao ouvir o depoimento de um humorista, em entrevista.

Contava ele que, na juventude, cumpria jornada dupla, na televisão e no circo da família.

No ambiente familiar, reclamava de não conseguir despertar o riso do público, por mais que se esforçasse.

E sempre ouvia do irmão: calma, que um dia você consegue.

Até o dia em que ele chegou bem atrasado ao circo, e não teve muito tempo para se paramentar.

Nesse dia, tudo o que ele fazia provocava risos.

E isso o deixou intrigado, pois lhe parecia que estava tudo igual ao dia anterior.

Foi quando ele percebeu: não havia pintado a cara.

O que eu penso: algum aprendizado se realiza de surpresa; mas o aprendizado profundo ocorre em momento e circunstâncias que não conseguimos delimitar, porque espontâneo, paulatino, internalizado.

Também me recordo, a respeito do alcance da competência, de um bordão que, me parece, consta de uma música mineira: mais importante que o destino é o próprio ato de caminhar.

Quer dizer que o destino é mais ali, um pouquinho mais além do que havíamos projetado? Que temos de caminhar mais um pouquinho? Todo dia e sempre?

Muito curioso.

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