Na fila do supermercado.
Ontem, saí para comprar leite para a minha mãe. Leite desnatado.
Aproveitei para comprar mais coisas, e já estava chateado quando enfim cheguei à fila dos caixas.
Como sempre, um zigue-zague para escolher em qual o caixa eu me despacharia. Perdi posição nas três filas não preferenciais disponíveis.
Fazer o quê? Sou assim, disperso.
E o ‘diálogo’ entabulado na fila à esquerda me chamou a atenção.
Um ‘gaúcho’, que antes eu cheguei a pensar se tratar do dono de um restaurante que frequento às vezes, estava discorrendo sobre sua ‘civilidade’.
Ouvi, como todos ouviram, pérolas como: “não tem ninguém que queira trabalhar numa fazenda“; “recebem a bolsa-família, e ficam na vagabundagem“; “mas essa mamata vai acabar loguinho”.
Me deu vontade de prolongar o ‘diálogo‘ com o ‘gaúcho‘, mas como de regra me reprimi.
Ainda assim, as perguntas vieram bem claras: “e o senhor, aceita trabalhar em fazenda? digo, fazer o trabalho pesado de fazenda?” “ah, então o senhor a herdou?” “o senhor está disposto a pagar para os ‘candidatos‘ valor equivalente ao da bolsa-família?”; “topa trabalhar em troca do equivalente à bolsa-família? eu tenho lote pra ser capinado“; “mamata pra quem?”.
Bom, dizem que não é saudável discutir com reacionário.
Mas a frustração persistiu.
Ora, bolas!
De qualquer forma, minha mente crédula me bombardeia incessantemente com perguntas incômodas:
— Há quem realmente deixe de trabalhar pela bolsa-família?
— Quanto paga esse benefício, atualmente? O salário mínimo? Certeza?
— Sério que tem gente que se satisfaz com o salário mínimo? Um salário mínimo para cinco, seis pessoas? Ou até mais?
— Se você, fazendeiro, ou cidadão classe-média, não encontra quem esteja disposto a fazer para você o trabalho penoso pelo tanto que você se propõe pagar, então o problema é da bolsa-família?
— E se eu defendesse que o problema é justamente a miséria que tipos como você se propõe pagar pelo trabalho que você não se anima a realizar? Isso quando paga, tantas são as notícias de trabalhadores reduzidos à condição análoga à de escravos — coincidentemente, fortemente concentrados no campo.
E aí. Vamos discutir por que não se encontram com facilidade trabalhadores braçais informais para as lides das fazendas? E ‘empregadas‘ domésticas, idem?
Se não está disposto, ó reacionário, aqui vai um conselho bem ‘nordestino‘: boca-de-siri, folgado!