— O que faz um fiscal de contrato administrativo?
Essa pergunta é tormentosa para boa parte dos agentes públicos (na minha opinião).
Já adianto que eu não sei o passo-a-passo da boa fiscalização. Também desconheço a rotina da atividade nas empresas públicas, fundações e autarquias.
Ainda assim, atrevo-me a dar alguns palpites.
Penso que, embora não estabelecido textualmente, a leitura da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos (8.666/93 ou 14.133/21) traz algumas pistas, e a vivência pode completar os “hiatos” e “reticências”.
O servidor designado fiscal de contrato deve se apropriar do teor da lei licitatória (isso é primário), mas especialmente dos artigos que tratam da execução dos contratos (artigos 66 a 76 da Lei nº 8.666/93, e artigos 115 a 123 da Lei nº 14.133/21); talvez também deva se familiarizar com os dispositivos relativos à inexecução/rescisão (artigos 77 a 80 da Lei 8.666/93) ou das hipóteses de extinção dos contratos (artigos 137 a 139 da Lei 14.133/21).
Por conseguinte, a primeira providência do servidor público designado fiscal de contrato (na minha opinião, registre-se) é estabelecer um suporte para o registro próprio de que tratam o § 1º do art. 67 da Lei 8.666/93 e o § 1º do art. 117 da Lei 14.133/21:
Assim, o fiscal deve providenciar o “registro próprio” (qualquer que seja o nome que lhe atribua), e dar conhecimento desse pormenor ao preposto da empresa contratada (art. 68 da Lei 8.666/93 e art. 118 da Lei 14.133).
E o que deve ser anotado no “registro próprio”? Bem, os diplomas legais determinam que “todas as ocorrências relacionadas à (com a) execução do contrato”.
Lembro, aqui, de um recurso (uma estratégia) utilizado na área de educação: a ajuda memória (creio que é assim que chamam[os]). Nesse documento, o agente (pesquisador, geralmente) anota tudo o que considera relevante para a facção (elaboração) de seu projeto, sem se importar muito com a formalidade ou com as normas técnicas — a utilidade do documento é subsidiar na elaboração do documento técnico, chamando à memória os aspectos relevantes, as ocorrências do dia-a-dia, as impressões e receptividade à proposta, essas coisas.
— Então anota tudo?
Sim, TUDO.
— E qual deve ser esse suporte do “registro próprio”?
Isso não é o mais relevante. Mesmo assim, apresento um exemplo de suporte/meio: na repartição em que trabalho, os profissionais da área de engenharia e arquitetura costumam usar duas agendas: a convencional, para as anotações de praxe (que eu raramente os vi usar), e um caderno grande, para anotar tudo o que considera relevante (o que foi discutido em uma reunião foi o que eu mais presenciei ser anotado).
Nesse caso, o “registro próprio” pode ser assentado em um livro ata, em um caderno universitário, em um fichário, ou qualquer outro impresso (lembrando que também pode ser assentado em suporte digital.
E, para o cumprimento do que se espera de um “registro próprio”, penso que o conteúdo deve ser do conhecimento do preposto. Em consequência, aqueles apontamentos que requerem intervenção (correção), o preposto já tomaria a iniciativa quanto ao que lhe compete.
De posse do “registro próprio”, penso que o fiscal do contrato inclusive se estressaria menos quando das hipóteses de comunicação formal à autoridade superior as situações que requeiram providência que não lhe compita.
— Mas isso não fica muito banal? Registrar tudo? Tipo: “no dia 2 de janeiro de 2001, quando estava sendo entregue o material de expediente, uma resma de papel sulfite caiu do caminhão, e seu invólucro se rompeu”.
Talvez.
Contudo, se esse ocorrido tivesse inutilizado essa resma de papel sulfite, o seu apontamento em “registro próprio” seria requerido — talvez não para responsabilização da contratada (aqui deveria ser trazida a proporcionalidade), mas para discussão de como poderia ser melhorada a logística da empresa (por exemplo).
— Ok. Mas o que mais se espera do fiscal do contrato?
O fiscal deve-se assegurar que o contratado cumpra fielmente o contrato. Para consegui-lo, terá que se apropriar do Termo de Contrato, buscar entender o teor de todas as cláusulas. Não é exagero recomendar, também, que se inteire do edital e de seus anexos obrigatórios (artigos 40, § 2º e 62, § 1º, da Lei 8.666/93, e artigos 18, VI e 24, § 3º da Lei 14.133/21).
Deve ser verificado se, por hipótese, a empresa reserva o mínimo de vagas para pessoas com deficiência (quando for o caso), ou se se abstém de contratar menores para ocupações consideradas insalubres; se são disponibilizados equipamentos de proteção individual (EPI), e se esses equipamentos são usados regularmente.
Também, se são devidamente recolhidos os encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato (art. 71 da Lei 8.666/93; art. 121 da Lei 14.133).
Entendo que é ponto nevrálgico da fiscalização dos contratos administrativos aferir se o cronograma da execução vem sendo cumprido regularmente e, em caso negativo, se possíveis atrasos são justificados ou estão dentro do que se pode considerar razoável.
No caso de serviços contínuos, se no dia-a-dia a execução está satisfatória (já que a demanda é diária e ininterrupta, possível falha na execução, mesmo que reparada, não compensará o transtorno já experimentado).
Claro, não se esgotam aqui as atribuições dos fiscais.